sexta-feira, 26 de junho de 2020

quando no particular de minha mente

Quando no particular de minha mente
eu me encontrar revestida somente de tua sede
saberei que minha fuga foi imparcial
e que tal como este caos corporal
me terás presa à ti
e farás tua caça.

Roubarás meus versos, roubarás minha calma
tudo roubarás de mim até que eu seja casta
estonteante e deturpados meus sentidos
hei de me sentir restabelecida
hei de me sentir completa
após por ti for devorada
e devolvida ao mundo
como a única que
do teu amor
sobreviveu.

sinto minhas têmporas latejarem


Sinto minhas têmporas latejarem, não conseguirei sair de casa. O dia de hoje me dói intangível, pois não posso mais te ver deitado ao meu lado, com teus olhos marejados de tanto sono e lutando violentamente contra. Não quero parecer contraditória, fui eu que parti, mas pedaços de ti ficaram por todos os cantos do quarto, a primeira camada da tua pele esquecida propositalmente para me causar saudade. Eu não consigo te esquecer com tuas camisetas dentro das gavetas e nossas histórias dentro dos meus cadernos. É ainda maior do que isso, como se teus olhos me olhassem e tu estivesses tão perto de mim que eu não vejo mais nada além de ti. Sinto falta até das tuas bochechas. Dói, pois a saudade de ti me seduz, me seduz tanto que eu negaria o paraíso por ela. Sinto falta das pequenas violências que, de tão doces, me deixavam marcas invisíveis durante dias. Por que essa saudade insiste em machucar meu coração? Eu escrevo todos os dias sobre a dor que é existir numa realidade onde você não está mais aqui comigo. E eu detesto todos os móveis do meu quarto porque eles são fantasmas no escuro e à noite sussurram nosso passado em narrativas perfeitas, pois foram testemunha. Eu me reviro na cama e deliro, sinto até tua respiração ofegante tocar minha nuca, lembro dessa sensação e quero chorar. Eu te destino todas minhas escritas, todo o amor que posso sentir e todas as páginas que tenho dentro de mim que são infinitas preces, azul e sofrimento. Não há nada que eu faça hoje que impeça estes pensamentos horríveis, as pessoas coexistem lá fora, mas aqui dentro eu permaneço sozinha, trancafiada em versos que escrevo sempre parecidos com estas linhas, ao som de músicas que reduzem minha tristeza a algo comum e universal a todos os seres. Esperando a hora em que olharei para frente e é você quem estará lá, não mais apenas tua memória.

quinta-feira, 18 de junho de 2020

não, eu não renasço

não, eu não renasço
eu apenas me desfaço
numa folha de papel
me laço nesses olhos
espertos, feiticeiros 
de amores bárbaros
e noites insanas

eu escapo do cenário
me viro do avesso
me entrego de bandeja
devota à palavra
da tua boca cativa
arquitetônica

mas imprevisto
o teu domínio
me renuncia
e na tua biografia
não mais estarão
escritos os meus nomes

foste o grande sinal do universo

Foste o grande sinal do universo
de que viver é a melhor forma de existir
e as constelações que estão a milhares
de anos luz de nós, também se escondem
atrás dos teus olhos que olham meus olhos
que jamais viram imagem tão bonita, senão
teu rosto. Foste o pedido do universo para que
minha arte não morra e discorra nos teus ouvidos
Foste sinal do universo de que a cadência nos habita
mas o acaso de nosso encontro nos perpetua.
És a lembrança de que o universo existe
e que agora em mim reside a orbe
de uma menina apaixonada.

sexta-feira, 12 de junho de 2020

a hora exata não sabia

II

a hora exata não sabia. tentei enxergar o relógio da parede, mas a parca iluminação da madrugada não permitia. sabia que era tarde, pois o visitante soturno tomava cuidado para não fazer nenhum som, ainda não sabia que havia me acordado. ele deitou ao meu lado, suas asas corpulentas megalômanas me cobriam e me esquentavam - o que era bom para o frio daquela estação - porém havia uma enorme disparidade do calor das suas asas com um frio que me acometia de súbito, percebi que o colchão ficava cada vez mais úmido e demorei até notar que meu companheiro celeste era feito de água pura que escorria de sua pele e molhava meus lençóis. certa de que pensam aqueles que me leem que eu deveria ter me desesperado com a presença de um estrangeiro em minha casa, deitado silencioso em minha cama, mas não sabem que aguardava sua vinda há mais de três anos consecutivos. estava tão alegre com sua chegada que não me incomodei com a falta de aviso. ao deitar em minha cama dormiu, dormiu um sono tão profundo que pensei que dormiria por dias. observei cada detalhe de seu rosto, corpo e asas enquanto a aurora anunciava o dia devagar. os primeiros raios sobressaíam seus pés delicados, compridos, duas vezes maiores que os meus pequeninos. meus olhos gulosos para registrar fotografias na mente daqueles pés adormecidos, logo as panturrilhas, joelhos e coxas também ficaram visíveis pela luz do dia - ele era gigantesco. mal cabia dentro do colchão, a ponto que seu corpo envergara, suas asas gigantes encolhidas pareciam inofensivas. não sabia entender que cor era aquela, jamais havia visto cor parecida, tentar descrever a cor das suas penas certamente seria falho, mas algo entre pérola e verde-água claríssimo, luminosas e polidas. suas costas suaves e largas estavam machucadas perto da proeminência de onde suas asas nasciam. mais um mistério para minha coleção, não saberia a origem daqueles ferimentos se não tivesse a oportunidade de perguntar, mas não sabia quando acordaria. quanto mais o dia avançava mais eu o enxergava com nitidez: belo, frágil e sagrado. nunca havia observado algo tão bonito de perto. ele continha a beleza ímpar da natureza, impossível de retratar com palavras humanas ou pincel e lápis. nossas restrições são incapazes de reproduzir a exatidão do etéreo. etéreo. lembro da água. vejo que não estava acometida pelo sono, de fato ele era feito de água, água que pingava e formava pequenas poças no assoalho do meu apartamento. levantei correndo, busquei alguns panos de chão e continuei a olhá-lo, agora com a sombra da dúvida pintando meu rosto, como pode alguém ser do céu e da água ao mesmo tempo? noto algumas escamas em seu pescoço, pequenas guelras devem ser. fico impressionada com a ilimitação desse Ser. se estas guelras o levam para o fundo do oceano sem medo e estas asas para o mais alto céu e nuvens, o que mais restaria para alcançar e conhecer? 


III

montei a mesa do café da manhã mesmo que já beirasse metade da tarde. não sabia o que gostaria de comer, então escolhi os melhores pães e geleias frescas que descansavam do dia anterior. ao pé da porta me dispus a observar a lentidão de seu corpo. cada detalhe seu me era fascinante e assim adormecido entre as cobertas e a luz matinal sua extensão desmedida não me causava o mesmo espanto da noite. com facilidade já conseguia percebê-lo no cotidiano da casa. ele era maior que os batentes das portas, o que me fez dar risadas ao imaginá-lo andando por aqui e ali e o esforço que seria exigido para passar de um cômodo para o outro. sei que viveria com rodo de pano em mãos para limpar as poças e lastros da água misteriosa do seu corpo, talvez uma ou outra pena policromática colada na minha roupa. me diverti por um par de horas pensando nisso, nem sequer lembrei da comida na mesa e meu café esfriando. ele não acordava por nada, desisti de esperar e comi sozinha. três dias inteiros foram assim, por três dias e três noites ele dormiu. desacostumada com a cama encharcada acabei levando um colchão para o corredor, dali conseguia dormir tranquila, com a sensação de sua presença me acalmando. no terceiro dia fui acordada com um susto quando senti a palma da sua mão tocando minhas maçãs do rosto. sua pele morna, lisa e macia como a de um anjo e aqueles olhos bizarros me fitando com ternura e estranheza. ele parecia não saber onde estar. parecia não me reconhecer. nos fitamos por minutos, que olhos bonitos os dele, os olhos mais bonito do mundo. pelo menos no meu mundo, o mundo que eu conhecia, não sabia de onde ele vinha e quais olhos esse outro mundo teria, mas sabia que de todas as coisas que já havia visto, seus olhos eram de longe os mais bonitos, estava hipnotizada. ele me ajudou a levantar e eu trêmula atendo as direções que me aponta, como se a casa fosse dele e não minha, pois já sabia a disposição de todo o apartamento. nos sentamos no chão da sala. era muito difícil acompanhar o seu tamanho desproporcional à mobília projetada para pessoas da minha estatura. ambos estranhando a presença do outro, começamos a trocar as primeiras palavras tímidas. 
                                                                               
                                                                         

quarta-feira, 10 de junho de 2020

sei que numa tarde de domingo tudo vai passar

sei que numa tarde de domingo 
tudo vai passar, 
tudo vai virar uma história distante 
que você reconta a alguém 
com certa dificuldade
em elucidar detalhes. 

sei que numa tarde de domingo 
você estará a espera da água 
esquentar na chaleira 
com o cenho franzido 
roendo o canto das unhas 
descalça apoiada na bancada da pia 
tentando recordar como foi 
que tudo aconteceu como aconteceu
e não conseguirá, 
suas memórias estarão 
esmaecidas borradas por névoa 
que você nem notou ao chegar. 

sei que nessa tarde de domingo
tudo vai parecer meio bobo juvenil 
e que será impossível ressurgir 
qualquer sentimento desgostoso 
e nada mais será nocivo 
como foi. 

sei que você sorrirá lembrando 
de quando escrevias essas premonitórias palavras 
no papel do teu caderno,
avisando-a da tarde de domingo 
e da água quente 
que você está agora esquentando 
para passar café. 

passou rápido o tempo 
- pensamos juntas - 
e todos os hábitos de domingo 
sucederão então de maneira natural 
como deveria ser 
e tudo 
estará no seu lugar. 

e a vida segue assim, 
como segue agora 
e como seguirá 
na tarde de domingo 
em que tudo estará tão diferente 
e igual. 

o paradoxo do tempo 
que nos acompanha 
desde pequena. 

ontem, 
hoje, 
amanhã. 
aqui, 
agora 
e sempre. 

tudo acontece 
e por isso 
sei que tu sabes 
e tu sabias 
hoje 
quando sei 
que numa tarde de domingo 
tudo vai passar 
e é por isso 
que não há espaço 
para medo.
a dor flui como uma correnteza tácita e a pouca vegetação que cobre as bordas dessas águas sentem o pulsar lento das ondas minúsculas que se formam da dor que flui. a dor flui, vem e vai. dói e eu permito doer. não existe nada maior e certo do que a surrealidade do tempo.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

nunca havia amado

nunca havia amado, por isso estava desarmada quando Amor decidiu visitar.
não sabia como usar as mãos, não tinha nenhuma etiqueta. sem bêabá na boca, titubeava a fala e gaguejava até o andar. perdida, perdidinha estava quando fez a sala. que assunto começar? sirvo chá doce ou café? meu-deus-do-céu nem o bule sabe onde guardou

Amor era alto, olhos pálidos de animal convicto. animal que voa, animal carnívoro e sanguinolento.  mas também animal benevolente e muito justo que tudo sabe e se alimenta.


sempre desencontrada, nunca havia encarado por muito tempo aqueles olhos lacerantes. sabia que aquela era a hora, tremedeira nas mãos toda miudinha sentada de frente com Amor gigantesco o próprio Rei de Tudo ciclopes olho a olho, boca a boca, os lábios encarniçados pingando gotículas de sangue e suor no sofá da sua casinha despreparada para receber visita tão importante.

insegura pensava na reciprocidade daquele gesto, sabia que Amor deslizava suas enormes mãos em tantos corpos, sabia que sua pele não era toda a novidade e no álbum de coleções daquele misterioso Ser, com certeza não era o adesivo mais desejado, reservado para uma página ordinária e desbotada. a primeira visita de Amor se deu assim, desavisada, Amor saiu de lá e a deixou no chão, três vezes mais miúda e muito machucada.

dor entre as pernas, dor na caixa torácica. levou a mão direita ao peito para se certificar que ainda batia ali o órgão responsável por todo aquele teatro. tum tum tum, respirou aliviada, estava viva, mesmo que jogada no chão de sua casa partida ao meio.  levantou tirou o pó arrumou os trejeitos, olhadela rápida no espelho. desengomou a saia, meio torta e dolorida alcançou em seu tempo a cozinha, talvez assar um bolo e fingir rotina ajudaria a esconder a violência que Amor deixou marcada. os vizinhos com certeza comentariam os ferimentos mais evidentes, mas esses não a preocupavam. o pior de todos dentro dela a fecundava.

a gestação da dor era a lembrança constante da partida, mas fingia costume. pensava que era boba demais por um dia ter acreditado que Amor a veria como algo bonito ou interessante. cresceu pensando nesse encontro, brincando de boneca e ABC, muito ingênua pensava estar pronta, mas a instabilidade da imaginação não havia lhe contado a dura verdade de que era tudo mentira. foi assim que aconteceu.

não tenho mais o hábito de me teorizar

não tenho mais 
o hábito de me teorizar, 
aceito ser como sou. 
simples e sem ornamentos,
 eu não sou grandiosa. 
muito bem conheço 
a fúria e poder 
que habitam em mim, 
mas tenho tido sucesso 
e estou muito avançada 
no caminho da plenitude 
e elevação do meu espírito.

há bastante me sinto serena, 
dominante 
e lúcida. 

o universo 
se comunica comigo 
em um idioma 
que eu não sou capaz 
de traduzir, 
mas compreendo 
e vivo cada código 
e suspiro. 

confiante 
eu sigo meus caminhos 
a solidão 
é meu único desapreço, 
mas também 
confio no sobrenatural
segredo murmurado 
em todos os silêncio 
dos meus dias. 

solidão desatinada, 
estou desacompanhada 
na existência física, 
mas nos palácios 
mais elevados 
da Verdade 
eu caminho
espelhada no sublime.

eu me amo, 
me cuido, 
me protejo. 
hoje é sempre.
pequenininha.

eu sou mais forte que a dor

eu sou mais forte que a dor
mais honesta que a razão
ainda assim eu tenho medo.

me entreguei sem cuidado
sem meditar meus passos
curtos e desajeitados
o tímido amor que em mim brotava
ferozmente meus caminhos conduzia
não estudei o ambiente
descuidada saí correndo
de lá muito assustada
sem saber as estradas do meu retorno

descalça nua crua e arruinada
galhos sangrando minha pele infantil
eu sou mais resistente que
essas recentes feridas 
eu sou mais resistente que
minha corrente sanguínea
corro desesperada aos prantos
fujo da mentira contada

eu sou mais forte que a dor
calma e resistente
como um caule arbóreo
eu me ergo do chão
eu respiro o ar da Terra
que arranca meu peito pra fora
dói tanto, meu deus como dói
eu respiro, choro um pouco
eu sou mais forte que a dor

dou o primeiro passo
não é fácil
acho um par de sapatos
eu calço
dou o segundo passo
meu corpo lateja e sangra
escorre meu sangue 
pelas minhas pernas expostas
vulnerável
se você tivesse sido mais inteligente
mas o amor me enganou
o amor me cegou
o amor não mente
não era amor

vinte passos
eu vejo ali
um pedaço de luz
anunciar minha saída
eu choro de alegria
eu sou mais forte que a dor
eu sobrevivo.

página em branco

página em branco
tic tic tac do meu teclado
nada na minha cabeça

a calma que me rege
é um tanto desarmônica
lá fora o mundo grita
e me deixa surda
estarrecida

eu parei no tempo
eu não aconteço mais

sábado, 6 de junho de 2020

talvez eu nunca mais te veja

talvez eu nunca mais te veja;
perdemos-nos
és irresgatável
- irresgatável
porém eu te amo

helena

Helena, pecou a palavra, que nela, virou verbo.
Pecou a carne, que dela, não mais era.
Habitante, não dona, Helena, da flor fera que extraiu
de milhares de líquidos o vazio do suor, sentimento
e da própria morte ao querer ser a mais Bela.

Dela há pouco que negue o entregar
da tez em veludo e seiva a guardar

Mas ao ser invadida, sua anunciada Terra Querida
não recebe flores, nem avisos de qualquer partida.

Desamada pelos amores que a deixam marcas
em seus lençóis enegrecidos pelos olhos de rímel preto
sublimes de tanto esquecidos, cuspidos, hoje desertos
após a furtarem mocidade, Helena Despetalada.

Expulsa cedo de seu corpo, sobrara suas pernas
subterfúgio de tantas bocas e histórias de miséria
sem se quer a negação de permitir-se amar. 

Feita Helena Terra Querida, desfeita
em cama, a carne ferida.