segunda-feira, 9 de novembro de 2020

eu não tenho corpo certo


eu não tenho corpo certo
tampouco interesso pro mundo
sou apenas uma ideia deteriorada
uma lembrança distante
que os escafandristas não saberão 
se realmente aconteceu
viver é ser muito simples
esquecível também
viver é miúdo
e momentâneo.


e está bom assim
sem sentido algum
ou direção correta

se tudo é mutável e irregular

se tudo é mutável e irregular
e se a improbabilidade do destino
nos abandonar pelo equívoco do acaso
quem serás tu
quem será eu
senão estranhos rostos esmaecidos
às margens do esquecimento?

meus sentimentos mais clandestinos

Meus sentimentos mais clandestinos me contaminaram com uma tristeza visceral que durou por estações a fio. 

Senti minha depressão incubada dentro de mim, crescendo entre meus órgãos e ranhuras. 

Fazia parte de mim 
como um uma embrião malformado,
torto 
e faminto. 

À noite me visitava com frequência, no escuro do meu quarto partia do meu ventre viscoso, passeava se divertindo nas sombras noturnas e eu observava acostumada. 

Essa coisa que crescia dentro de mim 
tinha meu rosto, 
mas não era eu. 

Eu jamais fui essa coisa  
que germinava em mim devagar 
e que perturbava minha vida. 

Essa tristeza silenciosa 
também era feroz, 
bárbara 
e destruidora. 

Arruinou conexões sinceras, despovoou meus pensamentos tranquilos e me esgotou por completo. 

De dentro pra fora 
eu a alimentei 
e me enfraqueci. 

Sinto que sobrevivi ao inferno 
ao matar minha relação mais duradoura, 
tóxica 
e tirana. 

Precisei matar algo que fazia parte de mim, dentro da minha carne, pulsando em minhas veias. 

Minha própria imagem gêmea, 
cravada em mim 
como verme parasita. 

E essa coisa mutante que adotava tantas formas ainda mora dentro de mim, mas não mais a sinto viva se nutrindo da minha vitalidade. 

Sinto que sobrevivi 
ao matar parte de mim.

ano passado eu me perdi

ano passado eu me perdi

esse ano me encontrei

até me assusta o que virá