quarta-feira, 27 de julho de 2022

Traço uma a uma das linhas imaginativas

 Traço uma a uma das linhas imaginativas 
até cravar teu nome dentro de mim. 

Ao passo dos dias que se passam, 
reconheço teu semblante como parte 
do mistério que há em todas as coisas não ditas. 

É bom não sentir frio. 

Reconheço tua carne como minha, 
parte afixada no meu peito 
que se embebeda de saudades suas. 

Você não foi breve, 
mas axioma de séculos contidos 
em olhares ciclopes que se encaram 
e estremecem inaudíveis. 

Nosso segredo contido 
atrás das membranas 
nos estabelece 
como o perpétuo amanhã 
que sempre virá, 
pois nos pertence. 

Você é como não sentir medo. 

Sinto como se a cada centímetro 
do meu ser sobrevivente, 
eu pudesse deslocar minha carne 
e te entregar em constantes certezas 
sem rupturas. 

Se assemelham às lembranças 
do que não existiu, 
a própria imortalidade dos transcritos. 

Somos loucos, 
eu te disse de manhã. 

E, 
dentro das loucuras, 
se encaixam todas as vozes. 

Marcado no meu corpo, 
você faz sua totalidade 
e permanência. 

Não soube e 
nem quis te dizer não. 

Nos altares da existência, 
tudo consumimos sem cessar 
o levante do apetite e sede. 

Você se faz transparente à mim 
e eu adentro tua cerne sem juízos.
 
Você sempre esteve aqui, 
escancarado à minha frente 
e precisamos de certos embaraços para, 
por fim, 
entender que nossas sombras 
e luzes 
opostamente 
são semelhantes. 

Eu te agarro, 
me finco nas tuas peles e mucosas 
construindo os outros olhos chamam de lar, 
muito ciente de que é mais do que isso, 
é além. 

Não estou em ti certas horas do dia, 
mas a todo instante eu te habito. 
És quem sou.

segunda-feira, 25 de julho de 2022

tua voz serena

tua voz serena, tão rouca e impassível
furta a brandura dos meus pensamentos.
a ternura dos teus gestos para comigo
decompõe minhas armaduras construídas
milimetricamente com o passar dos anos.

e eu passo a pensar em ti durante os dias
a te desejar todas as noites de tormentas
a proferir através de minhas mãos atentas
minhas vontades insanas de te absorver
e mastigar teu espírito em flagelo brusco.

como se nada me bastasse sempre e só
as manhãs se repassam na minha dicção
montanhas prometidas e também ovelhas
se tornam desejos maiores de cumprimento
do modo que mesmo se nada mais fosse solene.

a misantropia das tuas mesuras sinceras
se faz amarga dentro dos meus anseios
preciso, cogito, adentrar você inteiro
devorar teu íntimo mais calado e sombrio
te fazer meu e mais um pouco, visceral.

não temo as aproximações graduais
nem mesmo me entregar com tanta sede
o agora nos infinitamente pertence
e sei que as terras esperadas do amanhã
podem até mesmo não nos ocorrer.

novamente te digo que só o agora interessa
enquanto durar, impecável está e será
nada mais realmente importa à mim
tudo é como verdadeiramente é e sempre foi
e eu me abasteço do sempre presente profano.

me engula viva e transparente, te pertenço
prostrada às tuas ambições mundanas
me faça tua por agora, o que me basta
o amanhã não me alimenta irrestritamente
mas a sua presença e solidão animalesca.

permaneça durante os hojes transcendentes
pois faminta pelo teu fundo taciturno
eu me satisfarei incansável também
esfomeada pelas tuas raivas constantes
e ávida pelos teus olhos silenciosos.

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Nada sei sobre o amor

Nada sei sobre o amor, Clarice. Busco e jamais encontro. Há dez anos o procuro incansável, sedenta por algo que ainda não tive o prazer de viver. Minhas palavras fáceis denunciam minha talvez imaturidade perante à grandeza. Como posso ser poeta sem nunca? Como se quase? Experiencio através da fala e olhares aquilo que desejo, observo atenta nos corredores e esquinas. Eu aceito a sina dos condenados, infindavelmente áspera. Perguntei às representações fantasmagóricas - inútil - se haveria espaço para mim na certeza, mas não obtive respostas. Ignorada pela presença do agora, me faço castelo desabitado. Construído apenas para breves visitações, sem resquícios de estadia. Sou o alegórico, figura distinta sem forma. Sou um livro abarrotado, esquecido nas prateleiras dos transfigurados. Todo dia há morte em mim, morro e renasço a cada minuto do tiquetaquear. Sem destreza, não sei o que faço com minhas mãos trancafiadas. Estão atadas nos intervalos e vigências, não há escapatória para os sentenciados. Intranquila não durmo e pondero sobre todas as coisas que me regem, os artefatos e anseios. Nunca mais serei a mesma após essa noite e após todas as outras noites que virão. 

Nas argumentações do seu ser faminto

Nas argumentações do seu ser faminto
encontro satisfação genuína e transparente
como uma água viva eu me remonto
à espreita da tua talvez demora 

Que os dias não nos sejam roubados
e possamos, por fim, nos tornarmos
os famélicos animais selvagens 

As lamentações passadas
feias, pesadas e torrenciais
me preenchem agora sim
e suspeito além
de que sempre 
me espreitarão

Tudo me interessa
as longas viagens
os questionamentos
os beijos prolongados
a vontade percebida

Me arrisco a confessar
que meus múltiplos eus
um a um diante de ti
se divertem e
se alimentam

Ao fim imploro que
as profundezas da dor 
do não reconhecimento
e dos adeuses 
não nos descubram
eu peço.


terça-feira, 19 de julho de 2022

Interesso-me pelas distâncias

Interesso-me pelas distâncias, 
as despedidas são sagradas. 

Agora que sou só, 
penso sobre os gestos passados, 
afago-me nas próprias lembranças. 

O amanhã é irremediável, 
me cubro de incertezas 
sobre o que não é possível prever ou deduzir. 

Não há escapatória das mãos do Tempo, oh sim. 
Tanto pronuncio a respeito dele, 
tanto reflito sobre o passar dos dias 
desde que me escapou entre os dedos e frestas. 

O que perdemos nos caminhos intangíveis 
lá permanecem, 
estáticos e presos das garras da memória. 

Sinto como se não houvessem jamais existido, 
jamais acontecido. 
Como uma fotografia envelhecida 
de outra pessoa 
que já não me representa. 

Observo sempre atenta, 
espectadora fantasma 
da minha própria existência.

O que há entre os prelúdios dos intervalos? 
O que há entre os espaços vazios 
que me atormentam incansáveis? 

Emudeço, 
sempre sem respostas 
para minhas indagações, 
aceito o fardo do destino que não creio. 

As partidas são irremediáveis 
e o adeus é constante. 

Todos são perdidos 
entre minhas vírgulas 
e cansaços. 

Parto sem direção, 
apenas em velocidade abrupta 
como se fugisse de algo 
que me persegue e amedronta. 

Não compreendo meus passos esquivos, 
a solidão em que permaneço. 

Eles se vão, 
um a um em longitudes bárbaras. 

Apreendo-me em guerras 
com o reflexo do espelho, 
sempre contra minha própria imagem 
eu luto e apavoro-me. 

Talvez o animal tenha sido sempre eu. 
Já não tenho a quem recorrer, 
basto-me entre meus lençóis e manhãs. 

Hoje perco o sono mais uma vez, 
sem saber o que me abate ao certo. 

Flutuo entre minhas vagas recordações 
dos bons momentos. 

Sei que vivo cada momento 
como se o último fosse, 
como se os segundos pudessem 
- e podem - 
se esmaecer. 

Afinal, 
conheço-me e 
talvez eu esteja enganada, 
é provável que o futuro não seja descabido, 
ele é o que sempre fui: 
desumana. 

Revestida de arrependimentos 
por ser o que sou 
e viver diante do não-acaso 
e a fatalidade da escuridão. 

Não posso, 
meu Deus, 
vencer essa batalha 
prometida. 

Eu perco, 
perco os que já foram 
e perco os que virão. 

Sozinha. 

Além disso, 
permaneço munida 
de certa esperança aguda, 
talvez aguardando o instante 
em que alguém quebrará 
meu silêncio 
e me dirá que estou 
completamente errada, 
que sou capaz sim 
de ser agraciada 
com o que é contínuo e manifesto. 

Espero, espero e espero. 

Que os Céus 
me tragam essa paz, 
que os Céus permitam-me 
dormir.

quinta-feira, 7 de julho de 2022

Em algum lugar

 
Em algum lugar entre minha língua e meus dedos
Escondem-se as palavras que jamais descubro.
Em algum lugar perdido dentro de mim
Encontram-se as vastidões vencidas.

Agora eu penso sobre o destino

 
Agora eu penso sobre o destino, 
sobre esse ato de coragem 
que é estar à mercê do sagrado. 

Agora eu me entrego à ti 
e faço do teu peito rasgado
minha terra natal. 

Entrego-me ao incerto, 
mas predestinado 
– como crês. 

Olho para o céu e enxergo 
com meus olhos maiores 
que há um futuro no meu presente. 

Vês o que provocas em mim? 

Pois agora passo 
a refletir 
sobre a probabilidade 
dos planos maiores. 

O acaso ainda me seduz, 
mas curvo-me diante 
da tua sabedoria. 

Questiono-me se, 
por ventura, 
eu possa passar 
a acreditar 
nas sagradas preces 
e na sina dos afortunados.

terça-feira, 5 de julho de 2022

Eu era um animal

Seus olhos firmes anunciam a tempestade 
que me banhará, romperá meu corpo e
arruinará meus penteados e maneios
por todas as seguintes estações.

que firmeza é essa que o contém?

Se na doçura dos teus gestos, encontro abrigo
o temporal que me agride parte do aviso dos teus olhos determinados
ainda que sejam diante dos mesmos
que surgem a ternura e sinais que me protegem.

Não aguardei a chuva vinda do vendaval de olhos firmes
e me reviro do avesso novamente, 
mais uma vez descoberta e vulnerável ao mundo.

Eu sou fácil, simples e sem ornamentos. Rebuscada
mas arquitetei inúmeros planos para minhas fugas imparciais
para que nenhum par de olhos resolutos, decididos e inabaláveis – como os seus
me fisgassem pelos pés e me deixassem desprevenida.

Eu saberia ficar? 
aproveitar os teus trejeitos? 
beber da tua voz e beijar tua talvez falta de barba?
sobreviver aos céus nublados dos seus olhos?

Não há tristeza nas cores dos seus olhos,
é muito bonito ser algo tão demorado.

E te demoras, eu peço, nas iminências das pernas reservadas,
no êxtase da minha carne – que agora é sua.
faz de mim sua casa duradoura e
pela continuidade das noites remotas
talvez possamos nos tornar a mesma espécie selvagem.

Me açoitam as lágrimas vindas do seu céu nublado.
você partiu, as águas ficaram
e minhas vestes abandonadas pelos caminhos
me deixam mais indefesa e destrutível.
reduzida ao nada após tudo você me dar e tudo me roubar.