sexta-feira, 26 de março de 2021

ainda que os múltiplos signos do meu espírito

 


Ainda que os múltiplos signos do meu espírito

supliquem por arrebentar as ombreiras da porta

não posso eu digna aceitar isso que me pedem

pois não posso ser outra, se eu já sou o que posso

mesmo que pouco não seja, mas o que me compõe:

casca grossa, lama, asfalto e andarilhos perdidos

em marcha bruta sempre em direção alguma.


Eu sou minha carne firmada no presente

e para esta carne só o agora importa

meus mosaicos compostos em órgãos choram

o choro das possibilidades de um amanhã furtado.


Dentro de mim mármore, arabescos e enxovalhos 

tudo range e desmorona numa música eufônica

indivisível e quase mesmo silenciosa no meu peito

pois fui desavisada pelas minhas próprias palavras

e encurralada pelo tempo desarmônico e sombrio.

 

Sei que a vida é feita de detalhes 

e que do muito simples me abasteço

mas tórridas estão minhas células, digitais e longitudes

não soube nem pude de maneira alguma ser diferente

nem mesmo dar ao mundo além do que posso dar.


Dias e semanas passas assim devagar

mesmo que na surrealidade do tempo

os anos me sejam roubados depressa

meu corpo orquestra seus finos lamentos

meus figos, arbustos, notas de sol maior

lamentam as sinfonias do meu corpo miúdo

corpo tolo em que tudo aquilo que eu quero

conflita em exato com aquilo que não posso ter.

quarta-feira, 17 de março de 2021

inócua presença

 



Inócua presença

que me oprime

convivo contigo

desde meus mais

primórdios dias


serei eu perseguida

pela tua sempre

existência aflita?


tu lembras dos tempos apressados

onde de todos os dias nós bebíamos

de todas as noites nos alimentávamos

tudo era absoluto, tudo era novo

e engolíamos a realidade crua

sedentas pelo mistério furtivo


costumávamos ser caçadoras

de sentimentos ímpares, duais

tudo queríamos sentir um pouco

nada nos bastava em absoluto

as tempestades das tardes

e as manhãs de nevascas

eram como queijo e faca

na mesa posta.


sempre famintas

continuamente insatisfeitas

consumíamos, devorávamos

tudo que os céus nos entregavam

como presentes e oferendas

para crescermos e sermos una

em nosso suplício tornar 

a fênix de fogo e brasa.


pois aqui agora

finalmente calma

se serei logo eu

sempre atormentada

pelo teu caráter

insaciado?


revelarei então as verdades

sobre eu mesma insana ser

esse tormento que me cala.

terça-feira, 16 de março de 2021

nada me importa

 

Nada me importa

se a espuma do tempo

me engole viva

e as teias corruptas

da noite uiva me seduzem

e me mantém aprisionada.


Nada posso fazer

se meus silêncios

não são ouvidos como

nectáreos martírios

e suplícios de amparo.


Nada faz sentido

se apenas nos apetrechos

dos meus bolsos restritos

carrego as conhecidas chaves 

do meu segredo irrevelado.


E nada posso eu dizer

se as epílogas confissões 

que sucateiam meu corpo

e bebem do meu espírito

me abandonaram confim

misantrópica no íntimo meu. 

segunda-feira, 15 de março de 2021

ébria existência que é bela e trágica

Ébria existência que é bela e trágica

Repousada em puros silêncios à noite

Em minha cama escura murmurando

Segredos que não ouso aqui revelar


Acordo e enfim me conflito

Quem serás tu?

Que soturno me eleva

Quem serás tu?

Que é amargo e não matéria

Quem serás tu?

Que em promessas secas

Me abriga em peito ardente.


Peito teu no meu leviano

Que sóbrio acredita no amor.

Seremos nós dois?

Aguardo ansiosa

Na pura idealização

Do mistério do aconchego

Do vão da porta meio aberta.


Quem serás tu? Quem? Quem mais além de ti, quem mais além de nós?