sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

era manhã cedo quando me apaixonei por ti

Era manhã cedo quando me apaixonei por ti. 

Eu, ave de rapina, 
lancei minhas garras 
à algo sem nome, 
sem pronúncia. 

Era cedo demais 
quando me apaixonei por ti. 

Absoluta certeza 
- pensava eu - 
das tantas palavras desajuizadas 
que agora percorriam 
soltas na minha cabeça. 

Ele, ele, ele, 
pensei esfomeada. 

Precisei respirar fundo 
uma, 
duas, 
três vezes 
e olhar para 
o ponteiro do relógio 
mais quatro 
para ter certeza 
de que não havia sido 
acometida com alguma espécie 
de mal súbito 
que me fazia delirar 
tua existência.
 
Não sei se tão cedo 
haveria causa 
ou fundamento 
dessa paixão acidental 
que me acolhia de 
braços abertos. 

Engolida por 
estes pensamentos 
pensei com um salpicado 
de mais calma 
que não poderia negar: 
me apaixonei por ti. 

Passei meu café atordoada, 
o mundo de um minuto a outro 
parecia diferente. 

Cortinas, 
espaços vazios, 
um vento corriqueiro 
soprando os bigodes dos gatos.
Era assim tudo novo 
e estrangeiro para mim.

Cenho franzido pensei: 
não pode ser. 
Me nego, 
sou teimosa 
e bato o pé 
se verdadeiramente quiser. 

Mas não, 
não havia teimosia 
no meu coração, 
apenas certeza 
da paixão esbaforida 
por alguém 
que nem conhecia por hora. 

Por hora, 
pensei novamente. 

Bebi meu café, 
como pode a paixão 
ser tão dolorida? 

Abrupta, 
sem medo, 
escora as batentes 
do teu peito sem dó, 
sem pedir licença 
pra entrar. 

Não é visita esperada, 
não é de casa, 
mas conhece tudo 
com a palma e os dedos. 

Está aqui dentro de mim.

Era manhã cedo, 
agora é tarde 
e o tempo passa 
e continua. 

O mundo está diferente. 
Estranhamente familiar. 
Eu quero ficar.